Cromossomo XX

Ninguém compôs por tão longa data o que eu compus.

Sou matéria prima, viva , repleta de si mesma, me refazendo com a ajuda das coisas perdidas.

Tenho na minha essência, composição de mulher que deu a si mesma as grandezas do mundo.

Que direi eu do olhar de desprezo que me dedicaram?

Direi, que rompi esse olhar e atravessei rumo ao desconhecido.

Que pouco me importei com o ódio que me ofertaram com tanta dedicação.

E por pouco me importar, eu atingi, em cheio, a frieza que constrange e afronta.

Mas, eu também fui alimentada por esse ódio que me serviram em mesa farta e revigorante .

Ah! Como eu amei o ódio que me dedicaram.

Foi o grande anúncio de guerras.

Mas, foi também, a minha grande promessa de paz.

Aprendi a sabedoria de Salomão, apaziguando o desejo de sucumbir e alimentando a fome de enfrentar.

Fui combatente feroz e passei a valorizar a batalha bem mais que o troféu.

E todos os dias eu acordava tranquila, sorrindo para aqueles que me cuspiram.

Sou fruto da luta árdua, irmã das calamidades, desperta e antagonista, sou a lança que atravessa o escudo e penetra no coração vivo.

Há tempos que eu desisti desse mundo, mas eu nunca desisti da vida.

Eu percebi que o pensamento daqueles impregnados de rancor era impossível de ser alterado, eles jamais mudariam. 

Odeiam simplesmente porque nascem para odiar, e fazem isso com toda a propriedade e nisso se empenham profundamente.

E assim, eu fui causa e efeito de fenômenos estranhos que estavam alheios a mim, de coisas que não surgiram de mim.

Não, ninguém compôs por tão longa data o que eu compus.

É preciso ter tempo.

É preciso amadurecer.

Apodrecer como um cadáver.

Sem pressa ou medo.

Para receber todo o mal que as pessoas tem para dar e ainda assim resistir, prosseguir e fazer das manhãs que nascem, independentemente do ódio ou da dor, mais uma promessa de vida.

Ádila Cabral